Na França, a cultura tem sido uma questão de Estado. Para o pior e para o melhor.
De fato, talvez não haja outro país democrático no qual a cultura se associe tão intimamente à identidade da nação e do Estado. Não há nação francesa, nem Estado francês, sem a cultura. Direita e esquerda, no poder, dedicam-se igualmente à ratificação de uma imagem cultural nacional. E, até há pouco, era impensável um político tornar-se presidente da república sem nunca ter escrito um livro.
Esse quadro, no entanto, está longe de ser idílico. Neste volume, é eloquente a posição de Jean Dubuffet, expoente da arte bruta, denunciando o esquema político que asfixia a cultura real com uma ascendência da burocracia sobre a criação e que conduz a distorções como esta, conhecida no Brasil, segundo a qual a cultura é, antes, uma questão de interpretação (leia-se: educação) e divulgação do que de criação. E Dubuffet vai mais longe: a cultura é a ordem, é a palavra de ordem, isto é, a corrosão e a corrupção da criação. Carl Andre, nome maior da arte minimalista, disse o mesmo em outro lugar: “arte é o que nós fazemos; cultura, o que fazem conosco”. Com o Estado cultural surgiu a política cultural e problemas novos foram criados ao lado dos resolvidos.
O ensaísta Alain Finkielkraut aponta para o que considera um dos maiores equívocos da política cultural atual: conceber qualquer estilista da moda como tão relevante quanto Shakespeare; um futebolista, um valor igual a Michelangelo; um cantor de rap, como não inferior a Stravinsky. Para ele, esse relativismo cultural, fruto da política cultural vista como democratizante ou, pelo contrário, demagógica, nada faz além de dissolver a cultura num “tudo é cultura”. Ao lado, outras vozes se levantam para afirmar que, sem o Estado, a cultura não existiria ou viraria mercadoria – commodity.
O tema em entrelinha neste debate é o da cultura como uma questão de política pública coletiva ou da cultura como assunto pessoal do qual o Estado tem de ficar distante. Como o debate deste livro é sobre um Estado cultural, a França, as questões relativas à primeira posição são mais fortes. Mas a cada instante o leitor é convidado a pensar por conta própria sobre os erros e acertos não apenas da França, país modelo nesta área, como de toda política pública para a cultura.
Author(s): Geneviève Gentil; Philippe Poirrier
Series: Coleção Os Livros do Observatório
Edition: 1ª
Publisher: Iluminuras
Year: 2014
Language: Portuguese
Commentary: Título original: La politique culturelle en débat: Anthologie, 1955-2005
Pages: 228
City: São Paulo/SP
Tags: 1. Política e cultura - França. 2. França - Política cultural.
SUMÁRIO
Política cultural: uma história comum,
Teixeira Coelho
Introdução,
Philippe Poirrier
A República e as Belas-Artes,
Jeanne Laurent
Por um Ministério das Artes,
Robert Brichet
A cultura e o Estado,
Gaëtan Picon
Devemos preparar o futuro,
Joffre Dumazedier
Os museus e seus públicos,
Pierre Bourdieu
Intervenção na Assembleia Nacional em 9 de novembro de 1967,
André Malraux
Por uma política cultural,
Jacques Charpentreau
Asfixiante cultura,
Jean Dubuffet
Extratos do discurso sobre o orçamento na
Assembleia Nacional, em 9 de novembro de 1973,
Maurice Druon
Espaços e costumes,
Michel de Certeau
Indústrias culturais,
Augustin Girard
Cultura, nobreza do mundo, história de uma política,
Pierre Emmanuel
O primeiro dentre os patrimônios é o homem,
François Mitterrand
Trechos da intervenção do ministro da Cultura na conferência
mundial dos ministros da Cultura, México, 27 de julho de 1982,
Jack Lang
A derrota do pensamento,
Alain Finkielkraut
Relatório sobre a descentralização cultural,
René Rizzardo
O signo do sucesso,
Jack Lang
O Estado cultural. Ensaio sobre uma religião moderna,
Marc Fumaroli
Em defesa do apoio público à criação artística,
Joëlle Farchy e Dominique Sagot-Duvauroux
Sobre os organizadores,