A atual geografia internacional de cidades pode ser assim revelada a partir da
análise do espaço urbano, visto de acordo com as formas que adquire, os processos
que enseja e seus conteúdos, todos compondo uma estrutura global de desenvolvimento desigual e combinado, como fica claro em todos os capítulos deste livro.
No lugar dessa estrutura global, revela-se a segregação socioespacial, com uma
geografia em vários aspectos perversa, com ênfase nos países periféricos, mas não
apenas. Uma geografia que revela um futuro sombrio para as cidades, caso não
sejam revistos os alicerces do modelo de urbanização mundial.
Como fica claro em cada um dos quinze capítulos escritos por diferentes
autores convidados a compor este livro, não se trata aqui apenas de discutir uma
configuração espacial de redes transnacionais, nacionais e regionais de cidades.
Antes de tudo, trata-se de analisar sob diferentes perspectivas, a partir de formações socioespaciais e lugares diversos, a construção de um espaço de poder, de um
mercado de reprodução do capital que se articula intensamente nas negociações
entre nações e corporações. Quais os interesses envolvidos na perpetuação dos
padrões de urbanização? Quais ações e iniciativas apontam para um novo futuro?
Como se articulam esses atores?
O cenário geopolítico que envolve os processos de urbanização é ao mesmo
passo inovador e conservador. A inovação é devida em grande parcela aos processos
de participação e produção social da cidade, que se multiplicam em todo o mundo e
ganham escala e importância nas redes de poder. Exemplos e análises desse processo
que ocorre em escala global estão presentes em diversos dos capítulos deste livro.
Esse movimento traz ao palco da diplomacia e dos acordos internacionais novos
atores e diferentes mecanismos de valorização de posições e de construção de tendências e acordos.
Mas o cenário geopolítico é também em grande medida conservador.
Mecanismos tradicionais da diplomacia oficial estruturam acordos segundos lógicas
dominantes dos Estados-nação e dos interesses corporativos ligados a terra urbana
como commoditie e ao comércio transnacional de serviços e tecnologias urbanas.
Mecanismos de financiamento do desenvolvimento urbano, estabelecidos por uma
ordem global vigente nos últimos quarenta anos, desde a Habitat I, se apoiam na
identificação precisa de problemas urbanos, na definição de princípios e até mesmo
direitos que viabilizariam a superação deste cenário, mas não efetivam soluções
estruturais ao não romper com modos e modelos da cidade exclusivamente capitalista, da cidade mercadoria.
Bilhões de pessoas em todo o mundo sofrem por não ter acesso a serviços e direitos básicos na cidade, esse contingente só fez aumentar ao longo das últimas décadas.
Prolegômenos: a esperança nas cidades | 13
Os mecanismos de financiamento e produção da cidade carreados por organismos
internacionais, compostos com Estados-nacionais, e assimilados nos lugares, não
lograram transformar essa realidade. A falência de tais políticas está no cerne do
nascimento de novas tensões e relações de forças. Quem sabe uma nova diplomacia,
com novos atores, a revisão da geopolítica das cidades, possa acordar novos padrões
de urbanização e de uso e preservação do meio ambiente.
Como nos revelado ao longo de todo este livro, as formas desenvolvidas até
o momento para lidar com o intenso e global processo de urbanização, para além
de solucionar os problemas apontados, têm logrado êxito em perpetuar desafios.
Novos problemas do presente nada mais são que a resultante de velhos desafios não
superados. Acesso a serviços urbanos básicos, moradia digna, respeito e valorização
dos direitos humanos na cidade, lidar com as migrações como fato social complexo,
são todos problemas de longo tempo reconhecidos, que historicamente justificam
revisões de políticas e acordos internacionais e nacionais. Porém, a história revivida
é a farsa necessária para a perpetuação de campos estruturados de poder. Assim
como se produz mais alimentos que o necessário para alimentar toda a população
mundial, também sobram recursos financeiros e técnicos para enfrentar os desafios
do acesso as condições básicas de urbanidade.
Novos problemas também surgem nas cidades. Resultantes dos velhos desafios
ou do aprofundamento de um modo de produção cada vez mais desigual e não
condizente com os recursos naturais efetivamente disponíveis segundo uma matriz
sustentável. Se avizinham assim nas cidades não apenas catástrofes naturais, mas
também revoltas sociais, ou mesmo revoluções potencializadas pela ubiquidade da
tecnologia de comunicação e informação.
Descortinar a geopolítica das cidades passa também pela compreensão de
que certos novos problemas urbanos são produzidos intencionalmente como
novidades, como modas. Quer em decorrência de avanços tecnológicos, ou de
transformações impostas aos modos de vida segundo os interesses expropriatórios
e especuladores da terra urbana, urgentes necessidades são produzidas nas cidades,
assemelhando a busca de segurança no cotidiano a um mercado de consumo de
objetos pessoais. Áreas de cidades por anos vazias, indisponibilizadas, retiradas do
mercado, são colocadas na ordem de prioridade máxima das políticas públicas.
Fundos internacionais ofertam novos padrões de moradia, urgências em busca
da felicidade em uma varanda gourmet. Projetos de acessibilidade, despoluições,
revitalização e reestruturação urbana são vendidos pelo marketing de cidade como
de interesse coletivo, como ganhos de toda a sociedade no mercado competitivo
de cidades. Produzidos de maneira pontual, essas áreas aprofundam segregações
e exclusões. A análise desse mercado global revela uma poderosa rede de privilégios,
contrariando em sua essência a cidade democrática.
Author(s): Renato Balbim, (ed.)
Publisher: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
Year: 2016
Language: Spanish
Pages: 364
City: Lima
Tags: Brasil; Brazil; 1. Política Urbana. 2. Desenvolvimento Urbano. 3. Cidades. 4. Políticas Públicas. 5. Acordos Internacionais. 6. Nova Tecnologia. 7. Desenvolvimento Sustentável. 8. Participação Social. I. Balbim, Renato. II. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
APRESENTAÇÃO........................................................................................9
PROLEGÔMENOS: A ESPERANÇA NAS CIDADES.................................11
Renato Balbim
PARTE 1
DESENVOLVIMENTO E CIDADES:VELHOS DESAFIOS, NOVOS PROBLEMAS
CAPÍTULO 1
POLÍTICAS URBANAS E PARTICIPAÇÃO: O RESGATE
DA DEMOCRACIA PELA BASE ....................................................................25
Ladislau Dowbor
CAPÍTULO 2
PROMESSAS DESFEITAS: NOTAS INTRODUTÓRIAS ......................................55
Marcio Pochmann
CAPÍTULO 3
AVANÇOS E RECUOS NA QUESTÃO URBANA RUMO
AO HABITAT III...........................................................................................67
João Sette Whitaker Ferreira
CAPÍTULO 4
UMA NOVA AGENDA DE DESENVOLVIMENTO URBANO
É POSSÍVEL? UM OLHAR A PARTIR DO BRASIL............................................77
Nabil Bonduki
CAPÍTULO 5
UM VELHO DESAFIO E UM NOVO PROBLEMA:
PLANEJAMENTO DA INFRAESTRUTURA NA AMÉRICA LATINA.........................97
Ricardo Jordan
Felipe Livert
PARTE 2
GEOPOLÍTICA DAS CIDADES E GOVERNANÇA LOCAL PARTICIPATIVA
CAPÍTULO 6
DIPLOMACIA DE CIDADES: AGENDAS GLOBAIS, ACORDOS LOCAIS ..........123
Renato Balbim
CAPÍTULO 7
CIDADE CORPORATIVA, AÇÕES INTERNACIONAIS E A LUTA
PELO DIREITO À CIDADE: DESAFIOS COLOCADOS À HABITAT III................171
Ana Fernandes
Glória Cecília Figueiredo
CAPÍTULO 8
TRAJETÓRIAS URBANAS: CIRCULAÇÃO DE IDEIAS E CONSTRUÇÃO
DE AGENDAS NO SUL GLOBAL – LIMITES E POTENCIALIDADES
DA HABITAT III ........................................................................................195
Jeroen Klink
CAPÍTULO 9
ESCALAS HÍBRIDAS DE ENGAJAMENTO SOCIAL: COMO A INTEGRAÇÃO
DE TECNOLOGIAS PODE AMPLIAR OS PROCESSOS PARTICIPATIVOS?............213
Giovanni Allegretti
Audrey Tang
Michelangelo Secchi
CAPÍTULO 10
CONTRIBUIÇÕES DOS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO
E DOS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL PARA
UMA NOVA AGENDA URBANA ...................................................................247
Luis Fernando Lara Resende
Cleandro Krause
CAPÍTULO 11
ACORDOS INTERNACIONAIS, MUDANÇAS CLIMÁTICAS
E OS DESAFIOS URBANOS........................................................................277
Gustavo Luedemann
Jose Antonio Marengo
Letícia Klug
PARTE 3
INCLUSÃO SOCIAL: DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E O DIREITO
À CIDADE
CAPÍTULO 12
DIREITO À CIDADE E HABITAT III: UMA AGENDA COMPARTILHADA
ENTRE A SOCIEDADE CIVIL E OS GOVERNOS LOCAIS ..............................299
Lorena Zárate
CAPÍTULO 13
CIDADES BRASILEIRAS PARTICIPATIVAS E DEMOCRÁTICAS? REFLEXÕES
ÀS VÉSPERAS DA CONFERÊNCIA HABITAT III ................................................313
Francisco Comaru
CAPÍTULO 14
O DIREITO À CIDADE COMO QUESTÃO CENTRAL PARA A NOVA
AGENDA URBANA MUNDIAL...................................................................325
Nelson Saule Júnior
CAPÍTULO 15
MEIOS DE VIDA E INCLUSÃO SOCIAL: POLÍTICAS PÚBLICAS COMO
RESULTADO DA LUTA SOCIAL – A EXPERIÊNCIA DO PLANO BRASIL
SEM MISÉRIA ...........................................................................................345
Fernando Kleiman